Neste estudo nós vamos abordar a Ceia instituída por Jesus, a Ceia do Senhor (em Grego, κυριακον δειπνον – Kuriakon deipnon), ou Santa Ceia, para os Evangélicos; para os Católicos, também chamada de Eucaristia ou Comunhão (Esta palavra é derivada do Latim, communion = repartir em comum, compartilhar, que é traduzida em grego como κοινωνία – koinōnía).
Há uma distinção entre a ceia comunitária instituída pelos discípulos de Jesus na Igreja Primitiva (‘Partir o pão’ de casa em casa com os menos favorecidos) e o ritual litúrgico introduzido pelo apóstolo Paulo na igreja de Corinto, e que se seguia à ceia comunitária chamada festa ágape, festa do amor ou festa de comunhão. A ceia litúrgica era feita em memória de Cristo para que Seus seguidores se lembrassem do Seu sacrifício, ou seja, para celebrar Sua morte e ressurreição como propiciação dos pecados e a conquista da salvação para todos os homens.
A Ceia de Jesus – A Última Ceia
Vamos começar com os textos dos três primeiros evangelistas: Mateus, Marcos e Lucas, e com o texto escrito pelo apóstolo Paulo em 1 Co 11: 17-34 (com ênfase nos versículos 23-26).
O evangelho de Mateus foi escrito por Mateus, o publicano, um dos doze apóstolos, provavelmente nos primeiros anos da era cristã (50 DC), dirigindo-se fundamentalmente a leitores judeus, pois citou as comprovações do AT em apoio às afirmações que os crentes vinham fazendo acerca de Jesus como o Messias esperado. Ele faz, assim, a transição do AT para a do NT.
O evangelho de Marcos foi escrito por João Marcos, primo de Barnabé e filho de Maria, a mulher viúva que oferecia sua casa para as reuniões da Igreja primitiva (At 12: 12; 25; At 13: 13; At 15: 37-39; At 19: 29; At 27: 2; Cl 4: 10; Fm 24). Era teólogo e historiador. Marcos escreveu o livro por volta de 50-65 DC. O teor judaico dos escritos sugere que o livro deve ter sido escrito para os crentes gentios habitantes de Roma (Judeus convertidos de Roma) e para quem ele explica as tradições judaicas de forma clara (Mc 7:1-4; 14: 12; 15: 42).
O evangelho de Lucas foi escrito por Lucas, médico gentio, companheiro de Paulo. Ele escreveu a Teófilo, provavelmente um gentio que acabara de se converter, por volta de 59-63 DC. Apresenta a maior variedade de ensino, parábolas e acontecimentos da vida de Jesus. Mostra o interesse de Jesus pelo mundo não judeu e pelos pobres.
Algumas festividades foram descritas no NT, mantendo as leis judaicas dadas a Moisés, sendo a Páscoa uma delas (Jo 2: 13; 23; Jo 6: 4; Jo 11: 55; Mt 26: 2; Mc 14: 1; Lc 22: 1; At 12: 3; At 20: 6). As outras são: o Ano Novo (Jo 5: 1), a festa dos Tabernáculos (Jo 7: 2; 37 cf. Lv 23: 36; Nm 29: 35; Ne 8: 18), Pentecostes (At 2: 1; At 20: 16; 1 Co 16: 8), o Dia da Expiação (At 27: 9, aqui chamado Dia do Jejum).
Nós podemos nos lembrar da Páscoa instituída por Deus no AT e descrita em Êx 12: 1-28, onde os Judeus eram orientados a comer o cordeiro assado no fogo, as ervas amargas e o pão sem fermento (asmo ou ázimo), marcando a porta de suas casas com o sangue do animal para que o Destruidor os poupasse ao passar pelo Egito. Por sete dias, eles deveriam comer o pão sem fermento. O sangue nas portas das casas era símbolo de libertação, a carne era símbolo da Palavra de Deus, e os pães asmos, de santificação. O fermento simboliza a carne, a maldade humana que impede o domínio do Espírito.
Paulo também faz uma referência ao paralelismo existente entre o fermento da carne e a pureza do nosso espírito que foi recriado por Deus no novo nascimento:
• 1 Co 5: 7-8: “Lançai fora o velho fermento, para que sejais nova massa, como sois, de fato, sem fermento. Pois também Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado. Por isso, celebremos a festa não com o velho fermento, nem com fermento da maldade e da malícia, e sim com os asmos da sinceridade e da verdade”.
É interessante notar o que está escrito em Êx 12: 14; 17: “Este dia vos será para memorial, e o celebrareis como solenidade ao Senhor; nas vossas gerações o celebrareis por estatuto perpétuo... Guardai, pois, a Festa dos Pães Asmos, porque, nesse mesmo dia, tirei vossas hostes da terra do Egito; portanto, guardareis este dia nas vossas gerações por estatuto perpétuo”. Isso significa que guardar a Páscoa era uma ordenança de Deus para Seus filhos.
Em primeiro lugar, vamos deixar claro que a Ceia realizada por Jesus foi comemorada no mesmo dia da Páscoa dos Judeus (Mt 26: 17; 20; Mc 14: 12; 17; Lc 22: 7; 14). Estou falando isso para remover as controvérsias criadas por alguns estudiosos sobre o dia correto da Ceia do Senhor, bem como o dia da morte de Jesus na cruz e seu paralelo com a Páscoa do AT. Sim, Jesus realizou a ceia com Seus discípulos no 14º dia de Nisã, quando se imolava o Cordeiro Pascal (a ceia judaica), e depois explicando a eles o significado da ‘nova ceia’ com o pão e o vinho, que substituiria a primeira, ou seja, uma nova aliança estava sendo feita entre Deus Pai e a humanidade: não mais a celebração da libertação do cativeiro no Egito, mas a libertação definitiva da morte gerada pelo pecado através do sacrifício definitivo de Seu Filho na cruz, ou seja, Jesus, o cordeiro imolado em favor dos homens. Ele morreu no dia da Páscoa Judaica, ainda na sexta-feira, o 14º dia do mês de Nisã, que terminaria com a retirada do Seu corpo da cruz, como diz a bíblia, para não profanar o Sábado (Mt 27: 57; Mc 15: 42; Lc 23: 54; Jo 19: 31; cf. Êx 20: 8-11. O Shabbat, comemorado pelos Judeus, começa após as 18:00 da sexta-feira e termina às 19:00 do sábado). Quanto ao fato de alguns estudiosos dizerem que Jesus não passou três dias no túmulo, ou seja, 72 horas literais, vale lembrar que nos tempos bíblicos fazia-se a contagem inclusiva dos dias (qualquer hora do dia era considerado como o dia inteiro), ou seja, nomear dias sucessivos, não contar literalmente 24 horas. Por isso, Jesus morreu na Sexta-feira (1º dia), ficou no túmulo no Sábado também (2º dia) e ressuscitou no Domingo (3º dia).
A bíblia descreve o 1º dia da festa dos Pães Asmos (ou Pães Ázimos ou sem fermento):
• Mt 26: 17; 20: “No primeiro dia da Festa dos Pães Asmos, vieram os discípulos a Jesus e lhe perguntaram: Onde queres que te façamos os preparativos para comeres a Páscoa?... Chegada a tarde, pôs-se ele à mesa com os doze discípulos”.
• Mc 14: 12; 17: “E, no primeiro dia da Festa dos Pães Asmos, quando se fazia o sacrifício do cordeiro pascal, disseram-lhe seus discípulos: Onde queres que vamos fazer os preparativos para comeres a Páscoa?... Ao cair da tarde, foi com os doze”.
• Lc 22: 7; 14: “Chegou o dia da Festa dos Pães Asmos, em que importava comemorar a Páscoa... Chegada a hora, pôs-se Jesus à mesa, e com ele os apóstolos”.
Em segundo lugar, vamos analisar os textos sobre a Ceia de Jesus com Seus apóstolos:
• Mt 26: 26-30: “Enquanto comiam, tomou Jesus um pão, e, abençoando-o, o partiu, e o deu aos discípulos, dizendo: Tomai, comei; isto é o meu corpo. A seguir, tomou um cálice e, tendo dado graças, o deu aos discípulos, dizendo: Bebei dele todos; porque isto é o meu sangue, o sangue da [nova] aliança, derramado em favor de muitos, para remissão de pecados. E digo-vos que, desta hora em diante, não beberei deste fruto da videira, até aquele dia em que o hei de beber, novo, convosco no reino de meu Pai. E tendo cantado um hino, saíram para o Monte das Oliveiras”.
• Mc 14: 22-26: “E, enquanto comiam, tomou Jesus um pão e, abençoando-o, o partiu e lhes deu, dizendo: Tomai, isto é o meu corpo. A seguir, tomou Jesus um cálice e, tendo dado graças, o deu aos seus discípulos; e todos beberam dele. Então, lhes disse: Isto é o meu sangue, o sangue da [nova] aliança, derramado em favor de muitos. Em verdade vos digo que jamais beberei do fruto da videira, até àquele dia em que o hei de beber, novo, no reino de Deus. Tendo cantado um hino, saíram para o monte das Oliveiras”.
Lucas, como todos os evangelistas, descreve o episódio da Última Ceia:
• Lc 22: 14-20 (Mt 26: 26-30; Mc 14: 22-26; 1 Co 11: 23-25): “Chegada a hora, pôs-se Jesus à mesa, e com ele os apóstolos. E disse-lhes: Tenho desejado ansiosamente comer convosco esta Páscoa, antes do meu sofrimento. Pois vos digo que nunca mais a comerei, até que ela se cumpra no reino de Deus. E, tomando um cálice, havendo dado graças, disse: Recebei e reparti entre vós; pois vos digo que, de agora em diante, não mais beberei do fruto da videira, até que venha o reino de Deus. E, tomando um pão, tendo dado graças, o partiu e lhes deu, dizendo: Isto é o meu corpo oferecido por vós; fazei isto em memória de mim. Semelhantemente, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este é o cálice da nova aliança no meu sangue derramado em favor de vós”.
O verbo usado na ceia para o pão (‘partir o pão’) estava correto, uma vez que o pão asmo, não tendo tempo para levedar, consiste apenas em uma fina placa de massa, chamada de matzá pelos Judeus (plural: matzot), passível de ser partida, quebrada. Embora nenhum osso do corpo de Jesus tenha sido quebrado, o verbo ‘partir’ simboliza os ferimentos e os cortes que Seu corpo sofreu após os flagelos.
Imagem do Matzá (plural = Matzot), feito apenas com farinha de trigo, azeite de oliva e sal.
Nos três textos acima, a bíblia diz em relação ao pão e ao cálice de vinho, que Jesus deu graças: ‘Tendo dado graças’ ou ‘deu graças’ [em grego, eucharistêsas (ευχαριστησα) = deu graças, dando graças, agradecendo]. Eucharistêsas é o particípio do verbo Eucharisteo (dar graças) = ser grato, expressar gratidão a, especialmente dar graças pela refeição, dar graças. Eucharisteo dá origem à expressão ‘ação de graças’, ‘reconhecimento’, em grego, eucaristia (ευχαριστια.)
Durante o Seu ministério, Jesus já havia deixado bem claro que o pão era o símbolo do Seu corpo, e o vinho, o símbolo do Seu sangue a ser derramado em favor dos homens para remissão dos pecados:
• Jo 6: 33; 35; 48-51; 53-58: “Porque o pão de Deus é o que desce do céu e dá vida ao mundo... Declarou-lhes, pois, Jesus: Eu sou o pão da vida; o que vem a mim jamais terá fome; e o que crê em mim jamais terá sede... Eu sou o pão da vida. Vossos pais comeram o maná no deserto e morreram. Este é o pão que desce do céu, para que todo o que dele comer não pereça. Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém dele comer, viverá eternamente; e o pão que eu darei pela vida do mundo é a minha carne... Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tendes vida em vós mesmos. Quem comer a minha carne e beber o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Pois a minha carne é verdadeira comida, e o meu sangue é verdadeira bebida. Quem comer a minha carne e beber o meu sangue permanece em mim, e eu, nele. Assim como o Pai, que vive, me enviou, e igualmente eu vivo pelo Pai, também quem de mim se alimenta por mim viverá. Este é o pão vivo que desceu do céu, em nada semelhante àquele que vossos pais comeram e, contudo, morreram; quem comer este pão viverá eternamente”.
Explicando melhor: “Quem comer a minha carne e beber o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia” quer dizer: receber a palavra e se alimentar dela (comer Sua carne), e aceitar e entender o sacrifício da cruz, ou seja, o perdão dos pecados e a redenção (beber o Seu sangue); em outras palavras: aceitar o sacrifício do corpo e do sangue de Cristo para ter a vida eterna. Quando Jesus disse isso Ele escandalizou os judeus, pois a lei os proibia de comer a carne dos animais com o sangue (Lv 7: 26-27). A vida de toda a carne estava no sangue (Lv 17: 11; 14; Dt 12: 16; 23; Dt 15: 23), ou seja, o sangue do animal propiciava os pecados do homem, restaurando-lhe a comunhão com Deus, a vida eterna.
O pão era uma parábola do seu próprio corpo submetido ao propósito redentor de Deus (Hb 10: 5-10); e o Seu sangue, derramado na morte, relembrava os ritos expiatórios do AT, o que foi representado no cálice sobre a mesa. Este cálice, dali por diante, era revestido de um novo significado, como um memorial de um novo Êxodo realizado em Jerusalém (Lc 9: 31).
Nos textos escritos pelos três Evangelistas está escrito que Jesus deu graças e abençoou o pão e o partiu, e que após ter dado graças deu o cálice aos Seus discípulos para que bebessem o vinho. Podemos notar que apenas Lucas coloca a frase: “fazei isto em memória de mim”. Mais tarde, na 1ª epístola aos Coríntios, Paulo usa a mesma frase (‘fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim’), nos dando a entender que se trata de uma ordenança de Jesus:
• 1 Co 11: 23-26: “Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão; e, tendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim. Por semelhante modo, depois de haver ceado, tomou também o cálice, dizendo: Este cálice é a nova aliança no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim. Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha”.
Neste último texto de Paulo, é interessante notar a última frase, onde está escrito: “Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha”. Por que ‘este pão?’ A que pão ele estava se referindo? ‘Este pão’ era o pão reservado à Ceia do Senhor, isto é, consagrado para este fim, diferentemente do pão usado na ceia comunitária que era realizada no livro de Atos dos Apóstolos e instituída pelos discípulos de Jesus para repartir o pão de casa em casa com os menos favorecidos (At 2: 42; 46-47; At 6: 1-3; At 20: 7). Esta ceia comunitária era conhecida como ágape, festa do amor ou festa de comunhão, à qual o apóstolo Paulo se refere em 1 Co 11: 17-22, antes de ser realizado o ato litúrgico da Ceia do Senhor (1 Co 11: 23-34), onde ele repreende a atitude dos Coríntios, pois não estavam fazendo a distinção entre uma e outra.
A ceia comunitária ou ágape, festa do amor ou festa de comunhão
A ceia comunitária no NT veio substituir, simbolicamente, o sacrifício das ofertas pacíficas que era feito no templo. Além disso, no livro de Atos dos Apóstolos, ‘partir o pão’ era uma expressão hebraica que significa ‘compartilhar uma refeição’. A oferta pacífica (Lv 3: 1-17) era de qualquer animal sem defeito do rebanho ou variedade de pães. Sua finalidade era um ato voluntário de adoração, ação de graças e comunhão (por isso, era acompanhada de uma refeição comunitária). Como foi dito acima, a ceia comunitária no NT (‘partir o pão’) veio substituir, simbolicamente, o sacrifício das ofertas pacíficas que era feito no templo, uma vez que o holocausto e a oferta pelo pecado e pela culpa já tinham sido feitos por Jesus na cruz definitivamente.
Antes de dar prosseguimento à Ceia de Jesus, vamos falar um pouco sobre este texto de 1 Co 11: 17-34, onde o apóstolo repreende a atitude dos crentes:
17 Nisto, porém, que vos prescrevo, não vos louvo, porquanto vos ajuntais não para melhor, e sim para pior.
18 Porque, antes de tudo, estou informado haver divisões entre vós quando vos reunis na igreja; e eu, em parte, o creio.
19 Porque até mesmo importa que haja partidos entre vós, para que também os aprovados se tornem conhecidos em vosso meio.
20 Quando, pois, vos reunis no mesmo lugar, não é a ceia do Senhor que comeis.
21 Porque, ao comerdes, cada um toma, antecipadamente, a sua própria ceia; e há quem tenha fome, ao passo que há também quem se embriague.
22 Não tendes, porventura, casas onde comer e beber? Ou menosprezais a igreja de Deus e envergonhais os que nada têm? Que vos direi? Louvar-vos-ei? Nisto, certamente, não vos louvo.
23 Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão;
24 e, tendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim.
25 Por semelhante modo, depois de haver ceado, tomou também o cálice, dizendo: Este cálice é a nova aliança no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim.
26 Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha.
27 Por isso, aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor, indignamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor.
28 Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e, assim, coma do pão, e beba do cálice;
29 pois quem come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si.
30 Eis a razão por que há entre vós muitos fracos e doentes e não poucos que dormem.
31 Porque, se nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados.
32 Mas, quando julgados, somos disciplinados pelo Senhor, para não sermos condenados com o mundo.
33 Assim, pois, irmãos meus, quando vos reunis para comer, esperai uns pelos outros.
34 Se alguém tem fome, coma em casa, a fim de não vos reunirdes para juízo. Quanto às demais coisas, eu as ordenarei quando for ter convosco.
Neste trecho, Paulo diz que o comportamento egoísta dos Coríntios tornou impossível a participação deles na ceia do Senhor. Como dissemos anteriormente, geralmente as duas ceias eram feitas em seqüência, ou seja, a ceia comunitária instituída pelos discípulos de Jesus, seguida pela ceia litúrgica que Paulo realizava. Muitos Coríntios ricos parecem ter agido muito mal à mesa do Senhor nessas refeições comunitárias. Os ricos desprezavam os pobres, e comiam e embriagavam-se antes que os pobres fossem autorizados a participar; assim, alguns sentiam carência, enquanto outros tinham demais. O que deveria ter sido um vínculo de amor e afeição mútua (a ceia ágape, festa ágape) foi transformado num instrumento de discórdia e desunião. Os pobres eram privados do alimento preparado para eles, e os ricos transformavam uma festa de caridade em uma orgia (glutonaria e embriaguez). Também havia rixas e divisões entre eles, além de idolatria misturada com a verdadeira doutrina dos apóstolos. Os Coríntios vinham à mesa do Senhor como a uma festa comum, não discernindo o corpo e o sangue de Jesus (o pão e o vinho) de uma comida comum; em outras palavras, eles usavam de mais indecência nesta festa sagrada do que faziam numa festa civil. Isso era muito pecaminoso e muito desagradável a Deus.
No versículo 27 Paulo diz: “Por isso, aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor, indignamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor”. Comer o pão ou beber o cálice do Senhor indignamente significa: de uma maneira indigna, irreverente; a pessoa seria culpada de profanar o que representa o corpo e do sangue do Senhor, por isso atraía o juízo de Deus sobre si.
Nos versículos seguintes (28-29) ele diz: “Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e, assim, coma do pão, e beba do cálice; pois quem come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si”. Isso significava julgamentos temporais de vários tipos (1 Co 11: 30) por não distinguirem eles os símbolos sagrados do corpo e do sangue do Senhor (o pão e o vinho) de uma comida comum. Por esta causa, alguns estavam fracos, ou foram punidos com a doença, e alguns com a morte (‘alguns que dormem’). Em vez de serem purificados pelo sangue de Jesus, eles eram culpados do Seu sangue. Eles comiam e bebiam juízo para si; provocavam a Deus, e assim se tornavam propensos à condenação, a julgamentos espirituais e miséria eterna.
Paulo pensava ser melhor tirar as festas de amor (as refeições comunitárias, a ceia ágape, a festa ágape) por causa de seu abuso, apesar de terem sido praticadas há muito tempo, e serem nomeadas e instituídas pelos apóstolos.
Na ceia do Senhor eles invocavam o Seu nome e oravam, declarando a instituição daquela ordenança pelo próprio Jesus, e depois entregavam o pão partido para ser comido e o vinho para ser bebido com ações de graças. Também falavam que cada pessoa deveria examinar-se a si mesma, ou seja, provar o seu conhecimento no que estava sendo realizado e também a fé em Jesus e o arrependimento dos seus pecados. Não deveria ser admitido quem não podia examinar a si mesmo, como as crianças, homens furiosos e zangados também, como os que não tinham nenhum conhecimento de Cristo ou um conhecimento não suficiente, embora se considerassem cristãos, e outros que não podiam examinar-se. Esta era a forma de Paulo e dos apóstolos ministrarem. Assim, a ceia litúrgica a que Paulo se referia era para ser feita em memória de Cristo, para manter fresca nas mentes deles a Sua morte pelo pecado dos homens e para celebrar a nossa salvação e redenção por meio do Seu sacrifício.
O objetivo da Ceia instituída por Jesus
A Ceia instituída por Jesus era, portanto, para que Seus seguidores se lembrassem do Seu sacrifício, ou seja, para celebrar Sua morte e ressurreição como propiciação dos pecados e a conquista da salvação para todos os homens; não significava uma ceia para celebrar a comunhão com os irmãos no Corpo de Cristo. Ela foi instituída para alimentar a alma, não a ‘barriga’ e, portanto, ela deveria ser separada de banquetes comuns.
Quando Paulo escreve em 1 Co 10: 16-17: “Porventura, o cálice da bênção que abençoamos não é a comunhão do sangue de Cristo? O pão que partimos não é a comunhão do corpo de Cristo? Porque nós, embora muitos, somos unicamente um pão, um só corpo; porque todos participamos do único pão” (ARA) ou “Não é verdade que o cálice da bênção que abençoamos é uma participação no sangue de Cristo, e que o pão que partimos é uma participação no corpo de Cristo? Como há somente um pão, nós, que somos muitos, somos um só corpo, pois todos participamos de um único pão” (NVI), ele estava se referindo à nossa participação no sacrifício do corpo e do sangue de Jesus, à nossa comunhão com Cristo, confirmando a nossa filiação divina, mas não se referia à comunhão com os irmãos, como era feita na ceia ágape.