DEUS ESPERA POR NOSSAS ORAÇÕES
A vida de oração de Jesus
“Eu e o Pai somos um”, disse Jesus aos judeus no Pórtico de Salomão (Jo 10.30). Apesar da completa intimidade com o Pai, Jesus era um homem de oração? A resposta, a mais explícita possível, é da lavra daquele que escreveu a Epístola aos Hebreus: “Durante a sua vida aqui na terra, Cristo, em alta voz e com lágrimas, fez orações e súplicas a Deus, que o podia salvar da morte. E as suas orações foram atendidas porque ele era dedicado a Deus” (Hb 5.7).
Só no último dia de vida (a sexta-feira começava na noite de quinta-feira), Jesus orou três vezes: no Cenáculo, no Getsêmani e no Calvário. Na sala ampla e mobiliada, ele orou pelos discípulos e por aqueles que creriam nele (Jo 17.20). No Getsêmani, Jesus orou por ele mesmo: “Meu Pai, se for possível, afasta de mim este cálice” (Mt 26.39). Na cruz, das sete palavras ali proferidas, três foram orações: a primeira, em favor daqueles que o crucificavam (“Pai, perdoa-lhes”); as outras duas, em favor dele mesmo (“Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?” e “Pai, nas tuas mãos entrego meu Espírito!”).
Além das orações feitas na cruz, o Evangelho de Lucas menciona a vida de oração de Jesus em cinco passagens:
5.16 -- Mas Jesus retirava-se para lugares solitários e orava.
6.12 -- Num daqueles dias, Jesus saiu para o monte a fim de orar, e passou a noite orando a Deus.
9.18 -- Certa vez Jesus estava orando em particular, e com ele estavam os seus discípulos.
9.28 -- Aproximadamente oito dias depois de dizer essas coisas, Jesus tomou consigo a Pedro, João e Tiago e subiu a um monte para orar.
11.1 -- Certo dia Jesus estava orando em um determinado lugar.
A esta lista, deve-se acrescentar a passagem de Marcos 1.35: “De madrugada, quando ainda estava escuro, Jesus levantou-se, saiu de casa e foi para um lugar deserto, onde ficou orando”.
Não se diz que Jesus orava naqueles horários rígidos de oração, pela manhã, ao meio-dia e à tarde (Sl 55.17; Dn 6.10). Ele orava mais durante a noite do que durante o dia, mais nas montanhas do que em outro lugar. Uma coisa é certa: as orações do Senhor não eram rotineiras e cheias de vãs repetições.
Influenciado pela vida de oração de Jesus, um dos discípulos lhe disse: “Senhor, ensina-nos a orar, como João ensinou os discípulos dele” (Lc 11.1). Foi nessa ocasião que Jesus ofereceu o modelo universal da oração dominical e discorreu sobre a perseverança na oração e sobre a boa vontade de Deus em nos ouvir e responder (Lc 11.2-13).
Jesus ora antes de iniciar seu ministério
Imediatamente após o batismo e antes de iniciar o ministério, Jesus passa quarenta dias em jejum e oração no deserto. Para conciliar a narrativa de Mateus, segundo a qual a tentação teria acontecido depois dos quarenta dias (Mt 4.2), com as narrativas de Marcos e Lucas, segundo as quais ela teria acontecido durante os quarenta dias, conjectura-se que Jesus teria sido tentado o tempo todo e que as três tentações específicas seriam o clímax do processo.
Depois do batismo e da tentação, Jesus estava pronto para iniciar o ministério. O longo silêncio entre a apresentação no templo (Lc 2.21-40) e estes dois acontecimentos, interrompido apenas pelo encontro de Jesus, quando ele tinha 12 anos de idade, com os mestres do templo (Lc 2.42-50) durou trinta anos.
Quarenta dias de jejum, oração e tentação é um período muito longo (960 horas). Jesus foi levado ou impelido para o deserto pelo Espírito Santo (Mt 4.1; Mc 1.12; Lc 4.1). Lucas acrescenta que o Senhor estava cheio do Espírito (Lc 4.1). Foi um tempo de estranhas plenitudes -- plenitude de Espírito, plenitude de jejum, plenitude de oração e plenitude de tentação. Agora, Jesus deixará a carpintaria, a mãe (certamente viúva) e os irmãos para dedicar-se integralmente ao ministério. Foi uma mudança brusca quanto ao cenário, à movimentação e à ocupação. Agora, Jesus conviverá diretamente com o ser humano, suas complicações, enfermidades, problemas, maldades e carências. Agora, Jesus atenderá pessoas em toda parte e não terá tempo suficiente para comer (Mc 6.31) nem onde reclinar a cabeça (Mt 8.20). Agora, Jesus lidará com o legalismo de alguns e com a hipocrisia de outros. Agora, curará toda sorte de doenças, expulsará demônios e ressuscitará mortos. Agora, transformará água em vinho, multiplicará pães e peixes e acalmará tempestades. Agora, perdoará pecadores e pecadoras, pregará o arrependimento e a chegada do reino dos céus nas três províncias (Judeia, Samaria e Galileia), dos dois lados do rio Jordão. Agora, escolherá algumas pessoas para estar com ele, para comer com ele, para viajar com ele, para ser testemunhas dele e para continuar a sua obra. Enfrentará a oposição, o escárnio, a perseguição, as ameaças de prisão e morte. Agora, Jesus se aproximará lentamente da cruz.
Jesus ora antes de escolher os doze apóstolos
Com incrível simplicidade, o Evangelho de Lucas informa que “num daqueles dias, Jesus saiu para o monte a fim de orar, e passou a noite toda orando a Deus” (Lc 6.12). Essa é a passagem mais explícita sobre o hábito de Jesus de passar uma noite inteira em oração. Embora tenha orado no deserto (no início de seu ministério) e no Getsêmani, um lugar cheio de plantas e oliveiras (no último dia de vida), segundo os relatos bíblicos, Jesus orava mais nas montanhas.
Por que Jesus, nessa passagem, passa a noite orando, sem dúvida sozinho, como das outras vezes? Como na manhã seguinte ele escolheria os doze apóstolos e pregaria o sermão da planície (uma provável repetição resumida do Sermão do Monte), tudo indica que o momento demorado de oração era o preparo necessário para as atividades que se iniciariam.
Além de precisar de auxiliares, Jesus precisava de testemunhas oculares de seu ensino, de seu ministério, de sua morte e de sua ressurreição e também de substitutos. De pessoas que estivessem com ele desde o batismo de João até o dia em que seria elevado às alturas (At 1.22). De pessoas que dessem continuidade à pregação de arrependimento e da chegada do reino dos céus. De pessoas convictas de sua ressurreição e dispostas a anunciá-la com entusiasmo e destemor.
Aquela manhã teria uma importância histórica enorme. O corpo docente e regente da igreja primitiva seria escolhido depois da noite de oração. Um dos apóstolos, Tiago, seria morto logo depois do Pentecostes. Pedro e João fariam os primeiros discursos e enfrentariam os primeiros desafios. Dois deles, Mateus e João, escreveriam o primeiro e o último Evangelhos (na ordem do Novo Testamento). O mesmo João escreveria as três cartas que levam o seu nome e o Apocalipse. Pedro escreveria duas cartas. Dos 260 capítulos do Novo Testamento, 86 (33%) seriam escritos por aqueles simples pescadores chamados para serem apóstolos. Pelo menos dois deles, segundo a tradição, seriam notáveis missionários transculturais: Tomé organizaria uma igreja cristã na Índia e Judas, filho de Tiago, morreria como mártir na Síria.
A partir daquela manhã, Jesus começou a unir em uma família doze homens de profissões e temperamentos diferentes. Um deles, Mateus, era cobrador de impostos; outro, Simão, o zelote, era membro de um partido político contrário ao pagamento de impostos. Um deles, Pedro, era otimista e outro, Tomé, pessimista, como lembra William Hendriksen.
Jesus sentiu necessidade de passar uma noite inteira em oração para escolher entre os discípulos doze para serem apóstolos. Talvez também para pregar o chamado Sermão da Planície, naquele mesmo dia e lugar: “Jesus desceu com eles e parou num lugar plano” (Lc 6.17). Apesar de não ter dormido na noite anterior!
Jesus ora antes da cruz
Finda a longa reunião realizada no Cenáculo em Jerusalém na noite de quinta para sexta-feira, após o cântico de um hino. Jesus vai com os discípulos para um lugar chamado Getsêmani, que fica a leste de Jerusalém, no monte das Oliveiras. Ao chegar ali, ele diz com toda franqueza: “Sentem-se aqui enquanto vou ali orar” (Mt 26.36). Acabou não indo só, mas levando consigo três dos mais íntimos apóstolos, Pedro, Tiago e João. A essa altura, Jesus começou a entristecer-se e a angustiar-se e se abriu com eles: “A minha alma está profundamente triste, numa tristeza mortal” (Mt 26.38).
Sem dúvida, esse foi o momento mais difícil de toda a sua vida. Não sabemos se Jesus chorou, como aconteceu antes na casa de Lázaro e à entrada de Jerusalém. Porém, sabemos que naquela enorme prostração, o seu suor se tornou em “gotas de sangue que caíam no chão” (Lc 22.44). Em linguagem médica, o que aconteceu foi uma hematidrose, uma dilatação dos vasos capilares subcutâneos, que fez com que eles se rompessem. William Hendriksen, erudito de convicções reformadas e doutor pela Universidade de Princenton, explica que “quando isso ocorre nas proximidades das glândulas sudoríparas, como quase sempre acontece, o sangue e o suor se misturam na transpiração. Isso pode acontecer em grande parte do corpo. As grossas gotasou coágulos de sangue, que tingem de vermelho as gotas de suor, escorrem ao chão”.
É difícil mencionar exatamente o que provocou em Jesus essa “tristeza mortal”. Deve-se levar em conta que ele era um ser humano como qualquer outro, mesmo tendo uma natureza divina. Ele tinha plena consciência de tudo o que aconteceria naquele dia, desde o beijo de Judas à debandada dos discípulos e da tríplice negação de Pedro à prisão, às varadas, aos açoites, à irreverência, à zombaria, à fraqueza de Pilatos, ao peso da cruz e à crucificação. Jesus tinha consciência de que sua hora havia chegado e de que ele não poderia oferecer resistência a ela. É bem provável que lhe tenham vindo à memória os lances de seu sofrimento descritos profeticamente no Salmo 22 e em Isaías 53. Entre outras coisas, nessas duas porções do Antigo Testamento, diz-se que Jesus seria objeto de zombaria, que suas mãos e pés seriam perfurados, suas roupas, sorteadas, que ele seria desprezado e rejeitado, esmagado e castigado, oprimido e afligido, levado para o matadouro e eliminado da terra dos viventes. O mais incrível e o mais dolorido é que ele seria “por Deus [mesmo] atingido e afligido” (Is 53.4), já que havia tomado sobre si as iniquidades humanas.
Pouco depois de se retirar do grupo maior, em um primeiro momento (André, Filipe, Bartolomeu, Tomé, Mateus, Tiago, filho de Alfeu, Tadeu e Simão, o zelote, e outros), Jesus se retirou do grupo menor, em um segundo momento (Pedro, Tiago e João), para, em um terceiro, ficar só, um pouco mais adiante. Tinha o hábito de ficar sozinho em certos momentos. Trata-se de uma necessidade pessoal, uma estratégia que lhe era favorável.
Uma vez a sós com Deus, Jesus prostrou-se com o rosto em terra e fez a oração mais submissa de que se tem notícia: “Meu Pai, se for possível, afasta de mim este cálice; contudo, não seja como eu quero [na presente circunstância], mas sim como tu queres”. Essa foi a última e a pior de todas as tentações a que Jesus esteve sujeito. A vontade dele sempre foi “tirar o pecado do mundo”. Exatamente para esse momento e para essa missão — de dar a sua vida pelas ovelhas (Jo 10.11) — ele viera (Jo 12.27). A tentação foi vencida por meio da oração. O que aconteceu no Getsêmani evidencia o versículo mais conhecido da Bíblia: “Deus tanto amou o mundo que deu seu Filho Unigênito, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16).
A tentação não foi branda nem de curta duração. Outras duas vezes e no mesmo lugar, a mais ou menos trinta metros do ponto onde estavam os discípulos, Jesus fez a mesma oração. Enquanto isso, um anjo do céu veio ao seu encontro e o fortaleceu com a vitória sobre a tentação. Jesus se recompõe e enfrenta com absoluta firmeza os sofrimentos pelos quais deveria passar daquele momento até a hora da sua morte, mais de dez horas depois.
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